Os princí­pios da prescrição de exercí­cios físicos na cardiologia

Os princí­pios da prescrição de exercí­cios físicos na cardiologia

A prática de exercícios físicos e seu impacto na saúde cardiovascular foi um dos principais tópicos da sessão “Medicina do Estilo de Vida”, no 44º Congresso da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp). A Dra. Luciana Diniz Nagem, referência do Centro de Reabilitação do Hospital Israelita Albert Einstein, destacou os benefícios da atividade física regular, comparando-a com uma ‘polipílula’. “Os cardiologistas devem incorporar a prescrição de exercícios no receituário médico, mas é crucial entender os princípios dessa prescrição”, destacou a palestrante.

De acordo com a Dra. Luciana, o exercício físico deve ser visto como uma atividade física planejada, estruturada e repetitiva, com objetivos claros que visam melhorar ou manter componentes da aptidão física. Ela ressaltou a importância do princípio FITT – frequência, intensidade, tempo e tipo do exercício – que precisa ser cuidadosamente considerado para atender às necessidades específicas de cada paciente, seja ele sarcopênico ou um atleta.

Parte das informações que foram apresentadas pela palestrante é fruto do artigo “Exercise benefits in cardiovascular diseases: from mechanisms to clinical implementation”,[1] publicado no European Heart Journal em 2023, que destaca a existência de uma ‘pandemia’ de inatividade física que parece acompanhar a prevalência de doenças cardiovasculares (DCV). O estudo aponta que a prática regular de exercícios físicos pode reduzir a mortalidade por doenças DCV em até 30% e a incidência de eventos coronarianos em até 50%.

A Dra. Luciana detalhou os efeitos dos exercícios no sistema cardiovascular e metabólico, incluindo a melhora do perfil lipídico, da sensibilidade à insulina, da captação de glicose independente da insulina e da glicemia. Também ressaltou a redução da inflamação crônica sistêmica, dos níveis de proteínas oxidadas e de marcadores inflamatórios, além da melhoria da integridade celular. “Um dos pontos mais importantes é o impacto sobre a integridade celular endotelial, já que a disfunção está presente na maioria das DCV”, disse.

Ela também citou o artigo “Exercise for Primary and Secondary Prevention of Cardiovascular Disease: JACC Focus Seminar ¼”, publicado no Journal of the American College of Cardiology, [2] que indica que o exercício físico regular pode reduzir a pressão arterial sistólica em até 8,24 mmHg e a diastólica em até 4 mmHg, superando os efeitos de muitas medicações. Outros benefícios incluem a redução do estresse, da gordura corporal e abdominal, além de diminuir a agregação plaquetária e a inflamação.

Para a prevenção primária, o estudo do European Heart Journal demonstrou que tanto a atividade física moderada quanto a vigorosa durante o lazer estão inversamente associadas ao risco de DCV e mortalidade por todas as causas. Como exemplo, destaca um acompanhamento de 30 anos com 116 mil adultos que demonstrou que a atividade física regular resulta em uma redução significativa do risco de mortalidade [3]. Além disso, a aptidão cardiorrespiratória (ACR) é destacada como um preditor significativo de mortalidade, com estudos mostrando que níveis mais elevados de ACR estão associados a um risco significativamente menor de mortalidade por DCV.

Já com relação à prevenção secundária, o artigo destaca um estudo recente que acompanhou 131.558 pacientes com diferentes tipos de DCV por seis anos [4] e encontrou uma associação inversa entre atividade física e risco de mortalidade, mais forte em pacientes com DCV estabelecida do que em indivíduos saudáveis. A atividade física regular resultou em uma redução significativa no risco de mortalidade, com níveis elevados de atividade física associando-se a riscos de mortalidade semelhantes aos dos indivíduos sem DCV.

Com relação às prescrições, a cardiologista destacou a importância de conhecer os tipos específicos de exercícios mais indicados para cada condição de saúde. Por exemplo, em casos de infarto agudo do miocárdio e insuficiência cardíaca, recomendados como indicações de classe I, nível de evidência A para reabilitação, os exercícios combinados, que incluem tanto aeróbicos quanto resistidos, são os mais indicados.

"Ainda que todos os exercícios tenham um efeito positivo em nossos sistemas, cada um deles atua de maneira distinta. Alguns podem influenciar mais ou menos o metabolismo muscular, a função muscular ou cardíaca. Para otimizar os benefícios e atender às necessidades específicas de cada paciente, é essencial compreender exatamente como cada tipo de exercício interage com o corpo e personalizar a prescrição de exercícios", enfatizou a Dra. Luciana.

Hipertensão arterial: exercício aeróbio ou resistido?

Considerando a necessidade de direcionar a prescrição de exercícios de acordo com a condição de saúde do paciente, a Dra. Rica Dodo Delmar Buchler, diretora da seção de reabilitação cardiovascular do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, apresentou uma análise sobre a reabilitação cardiovascular, com um olhar específico para a hipertensão arterial e o dilema entre os exercícios aeróbicos e resistidos.

No que diz respeito aos exercícios aeróbicos, a Dra. Rica apresentou dados que datam desde a década de 1990, mostrando uma redução média de 8 milímetros na pressão arterial sistólica e 5,2 milímetros na diastólica em pacientes hipertensos submetidos ao treinamento aeróbico regular. Contudo, o destaque da apresentação foi o papel emergente dos exercícios resistidos na gestão da hipertensão arterial, especialmente quando combinados com os exercícios aeróbicos.

Contrariando a crença anterior de que o treinamento resistido poderia ser contraindicado, a Dra. Rica apresentou uma série de estudos que demonstram uma evolução na percepção sobre a eficácia dos exercícios resistidos como terapia anti-hipertensiva autônoma. Como exemplo, citou uma meta-análise de 64 estudos controlados (71 intervenções), divulgada pela Journal of the American Heart Association (AHA), que envolveu mais de 2.300 pacientes e mostrou uma redução média de 6 milímetros na pressão arterial sistólica e 5 na diastólica em hipertensos submetidos a treinamento resistido duas a três vezes por semana [5].

Além disso, Dra. Rica destacou atualização feita pela mesma instituição em janeiro de 2024, após quatro décadas sem alterações [6]. Entre os pontos mencionados pela AHA, ressaltou a redução de 15% no risco de mortalidade por todas as causas através da prática de exercícios resistidos, chegando a 17% no caso de DCVs. Os achados indicam uma queda ainda mais significativa na taxa de mortalidade, chegando a 40 a 46% quando os exercícios resistidos são combinados com aeróbicos. 

De acordo com a palestrante, os exercícios resistidos são direcionados para qualquer pessoa, incluindo idosos, gestantes e puérperas. Para populações de alto risco, como pacientes com doenças cardiovasculares, ela recomendou sessões de baixa intensidade, com menos de 40% de repetição máxima, realizadas duas vezes por semana. Em contraste, para a população em geral, sugeriu uma intensidade moderada, entre 40% e 60% de 1-RM, com sessões focadas em 8 a 12 repetições, também duas vezes por semana. Já para adultos saudáveis em busca de otimização de força, a indicação é de sessões de alta intensidade, com mais de 80% de 1-RM, realizadas pelo menos duas vezes por semana.

“Estamos falando de um treinamento versátil, que pode ser realizado de várias maneiras, desde exercícios com o peso do próprio corpo, até uso de faixas de resistência, máquinas e pesos livres”, disse a Dra. Rica. “O AHA e o American College of Sports Medicine associam o exercício resistido com nível de evidência A ou B, demonstrando melhorias na pressão arterial tanto em pacientes hipertensos quanto em pré-hipertensos. Por outro lado, o American College of Cardiology e o Lifestyle and Working Group College concentram-se exclusivamente no exercício aeróbico. Diante dessas evidências, a resposta é clara: vamos adotar ambas as abordagens”, concluiu a palestrante.

Fonte:  Os princípios da prescrição de exercícios físicos na cardiologia - Medscape - 4 de junho de 2024.

https://portugues.medscape.com/verartigo/6511178?form=fpf